Calígrafo, ilustrador, professor, pintor, poeta e amante da música, Porciúncula de Moraes teve o desejo interior por ampliar seu conhecimento sobre o universo da arte realizado em 1918, quando recebeu uma subvenção para estudar, concedida pelo Congresso do Estado do Maranhão que, numa sessão inédita sobre o assunto, decidiu estimular as “raras vocações artísticas” da cidade e premiar três jovens artistas, entre eles o escultor Celso Antônio e Porciúncula de Moraes.
Nesse mesmo ano viajou para o Rio de Janeiro, então capital federal e palco de importantes acontecimentos, como a eleição para presidente da República, a Insurreição Anarquista, uma greve geral e a pandemia de febre espanhola, que também assolou outros estados do país. Além das modificações urbanísticas que ocorreram no início do século XX, alterando sua aparência, a cidade se transformaria mais uma vez com a demolição do morro do Castelo em 1921, favorecendo a abertura de grandes vias e a posterior criação do Aterro do Flamengo, entre outras. Este foi o ambiente urbano no qual Porciúncula de Moraes passou a viver a partir dos 26 anos.
Sob a ótica do ensino artístico, o Rio de Janeiro abrigava a mais importante instituição oficial do país, a Escola Nacional de Belas Artes - ENBA, que seguia os valores tradicionais no ensino artístico e, à época, era dirigida pelo pintor João Batista da Costa.
É possível observar que as experiências artísticas inspiradas na arte moderna, em especial o Impressionismo, do qual Eliseu Visconti foi o mais destacado representante no Brasil, eram ainda restritas a poucos e sua aceitação encontrava resistências; eram raros aqueles que buscavam vivenciar outros estilos já potencializados no exterior, como o expressionismo e o cubismo, o que contribuía para a fraca repercussão das novidades no panorama artístico brasileiro da época.
Porciúncula de Moraes optou por fazer aulas livres na ENBA e frequentou o Atelier Lido, dos irmãos Bernardelli, em frente à praça do Lido, em Copacabana, tendo estudado pintura com Henrique Bernardelli, artista renomado, professor da Escola de Belas Artes de 1891 a 1906 e que, ao sair da instituição, continuou a lecionar em seu ateliê.
Das aulas com o mestre Henrique Bernardelli, Porciúncula apreendeu muitas lições, e com o tardio impressionismo brasileiro, absorveu o interesse pela pintura ao ar livre, pela luz e seus efeitos, para criar, como ele próprio dizia uma pintura “tão longe dos modernos, como dos clássicos”.
Na busca por pintar os efeitos de luz em suas paisagens - um de seus temas preferidos juntamente aos retratos de família e pintura de flores - utilizou a tinta a óleo em pinceladas soltas e contornos pouco definidos, bem como praticou a aquarela com a característica leveza que esta técnica confere às formas e ao conteúdo.
O Museu Nacional de Belas Artes conserva em seu acervo o óleo Favelados, de 1955. A vivência artística de Porciúncula de Moraes foi guiada pelo inesgotável interesse pelas particularidades do Impressionismo, que buscou conhecer e explorar ao longo de sua carreira, sob uma perspectiva muito pessoal. Dedicou sua vida ao ofício de professor de desenho e, sobretudo, à pintura, sua grande paixão.
Laura Abreu
Historiadora da Arte e Curadora
Abril 2017
Como um impressionista brasileiro, mestre Porciúncula de Moraes sai do atelier e retrata nossa cidade com céus “com leque da alegria”.
Seu olhar era franco e generoso. Penetrante e nos posta perguntas também. Senti isso ao fotografar seus autorretratos. Suas obras são luminosas e fotogênicas. Inesperados ângulos da Lagoa Rodrigo de Freitas com crianças brincando na relva e lavadeiras, pondo roupas coloridas pra corar em suas bordas, nos remetem a uma época de paz e harmonia da Cidade Maravilhosa, que não volta mais.
Marco Rodrigues
Fotógrafo e marchand de obras de arte.
No Impressionismo desde 1920:
uma Visão Panorâmica sobre o Imaginário Artístico de Porciúncula de Moraes
Pintor, aquarelista, ceramista, escritor e poeta brasileiro, com suas paisagens, naturezas-mortas, retratos, autorretratos e composições com temas diversos, tendo a expressividade da cor como motivo primordial Porciúncula de Moraes filiou-se, representativamente, à corrente impressionista brasileira, iniciada por Eliseu Visconti e Belmiro de Almeida, no início do século XX.
Criticando a orientação acadêmica predominante no ensino oficial da pintura na Escola Nacional de Belas Artes, e difundida sistematicamente no Salão Nacional de Belas Artes, Porciúncula assimilou e exprimiu verazmente o que havia de mais genuíno no impressionismo brasileiro.
Com grande e densa determinação de renovação, criou uma obra totalmente direcionada à valorização artística da luz brasileira. Expôs e contribuiu para a evolução desta tendência, procurando sempre expressar a peculiaridade pictórica da nossa luz. “Só vi uma luz tão bela, cristalina e rica de matizes como a nossa do Estado do Rio de Janeiro, numa bela manhã em Amsterdam: terra de Rembrandt!...”, disse ele em seu livro Palheta Sonora (1980).
A respeito do seu quadro Gramado em Festa, bem luminoso, com tons escuros para contraste, comentou o célebre pintor e professor Rodolfo Amoedo: “não pinto assim, com essa transparência e leveza de tons, mas o reconheço como um belo trabalho e voto premiação que o distinga”.
Porciúncula de Moraes deixou uma obra de inestimável valor artístico e histórico que merece ser restaurada, recuperada, reavaliada e divulgada.
João Carlos Cavalcanti
Rio de Janeiro, novembro de 1993.